“Juntos ganhamos”: notas sobre a pandemia e os transtornos alimentares
Nada como navegar pelas redes sociais para investigar os impactos sociais de um fenômeno. No Instagram, no Twitter e até no Tik Tok vemos pessoas manifestando opiniões e expressando sentimentos e emoções das mais diversas formas e sobre assuntos variados. Com a pandemia, não seria diferente, principalmente considerando a magnitude dos impactos do novo coronavírus em diversas instâncias de nossas vidas, incluindo a saúde mental. Depressão, ansiedade, pânico e compulsão alimentar têm sido expressões comumente utilizadas pelos pacientes que chegam aos consultórios, agora virtuais (sim, também fomos impactados pela nova realidade social!), de psicologia. Voltando ao nosso passeio pelas redes sociais, encontramos memes e algumas hashtags que expressam preocupações, muitas vezes bem-humoradas, da sociedade de uma forma geral. Um exemplo: #quarantine15 e #togetherwegain (#juntosganhamos) são algumas das hashtags que se tornaram populares nas redes sociais para brincar com o ganho de peso durante a pandemia. Não se pode desconsiderar que o humor é um aliado potente para lidar com situações difíceis. Contudo, nesse caso, as brincadeiras com o peso acendem o alerta para um tema importante: os transtornos alimentares. O humor, em tal contexto, poderia ser lido tanto como uma certa aversão pela gordura – a gordofobia -, e como um descaso com quem sofre com esse tipo de transtorno. Desse modo, o ganho de peso durante a pandemia pode não ser encarado como uma mera brincadeira por todos.
Definidos como “perturbação persistente na alimentação ou no comportamento relacionado à alimentação que resulta no consumo ou na absorção alterada de alimentos e que compromete significativamente a saúde física ou o funcionamento psicossocial.” (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-V, 2014), os transtornos alimentares mais comuns são a anorexia, a bulimia e o transtorno de compulsão alimentar.
As mudanças sociais promovidas principalmente pelo isolamento social criam um ambiente facilitador para o desenvolvimento de diversas psicopatologias, dentre elas os transtornos alimentares, especialmente em pessoas com preocupações anteriores em relação à imagem corporal e ao comportamento alimentar. Em recente pesquisa, o grupo de pesquisadores liderados pela professora Rachel F. Rodgers (Northeastern University) defende a ideia de que há três grupo principais de gatilhos que contribuem para a exacerbação desse tipo de adoecimento psíquico.
O primeiro está relacionado com a interrupção e a restrição das atividades rotineiras, como, por exemplo, ir para o local de trabalho e/ou estudo. A ausência de uma rotina clara e bem definida, auxiliada por marcadores temporais e espaciais, torna mais difícil a organização da alimentação, ampliando o número de visitas à geladeira. Além disso, a redução da frequência de atividade física e da qualidade do sono são fatores de risco relevantes. Sem contar a importância do suporte social, que acabou ficando restrito por causa do distanciamento social.
O segundo fator exposto pelos pesquisadores aponta que as redes sociais também têm um papel crucial no aumento do número de indivíduos com os transtornos alimentares, em especial devido ao contato com postagens que reforçam ideias de uma cultura magra e diet, sem contar os inúmeros anúncios de comida. Isolados em casa, não é de se estranhar que todos nós estejamos ainda mais conectados às mídias sociais que bombardeiam seus usuários com imagens perfeitas de corpos magros e de pessoas que seguem uma rotina impecável de alimentação e exercícios, mesmo em tempos de pandemia. Tal ilusão transmitida no mundo virtual pode gerar no interlocutor um sentimento de culpa e fracasso por não conseguir se encaixar neste modelo, atuando como mais um gatilho para comportamentos alimentares disfuncionais.
Por fim, o terceiro aspecto se relaciona com o estresse emocional proveniente da exposição excessiva a notícias sobre óbitos, infecções, entre outras fatalidades sociais e econômicas provenientes da pandemia. Tudo isso aumenta a probabilidade, por exemplo, de episódios de compulsão alimentar, especialmente em indivíduos que já possuem histórico de transtorno mental, figurando o ato de comer como uma resposta subjetiva à ansiedade e ao estresse.
Em resumo, além de potencializar os fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares, a pandemia enfraqueceu fatores protetivos, como o apoio social, a rotina de trabalho e estudos fora de casa e a organização alimentar. Para além de piadas, precisamos escutar quem está em sofrimento, criando novas redes de apoio e, claro, recomendando acompanhamento profissional, quando necessário. Dessa forma, “juntos ganhamos”! E, aqui, caro leitor, refiro-me a espaços de escuta e de acolhimento num momento tão delicado.
Por Paula Melgaço
Doutora em Psicologia Clínica